Durante minha experiência atuando em fusões e aquisições (M&A), projetamos o crescimento da empresa vendedora considerando uma multiplicidade de fatores, tais como capacidade produtiva, demanda de mercado endereçável, contexto macroeconômico, dinâmicas setoriais entre fornecedores e compradores, entre outros. Contudo, surge um dilema: o que ocorre quando projetamos um aumento de 40% na receita de uma empresa nos próximos cinco anos e perguntamos ao sócio vendedor: “Se a transação morresse hoje, você conseguiria viver com essas metas?” Em muitas ocasiões, a parte compradora acredita que não conseguiria, pois enxerga um alto nível de risco no investimento. É nesse ponto que o earnout entra.
Exploraremos a definição da estrutura do earnout, as condições frequentemente negociadas e responderemos a algumas das perguntas mais comuns.
O que é um Earnout?
De modo geral, o earnout é um direito contratual que o vendedor possui de receber pagamentos condicionais do comprador, os quais estão subordinados ao cumprimento de determinadas métricas financeiras ou de desempenho, bem como ao alcance de marcos específicos, durante o período pós-fechamento.
Em outras palavras, trata-se de uma estrutura em que todas as partes envolvidas ganham, caso as métricas estipuladas sejam alcançadas. O comprador minimiza seu risco através de pagamentos vinculados ao desempenho do investimento realizado, enquanto o vendedor é remunerado conforme o aumento da receita. Contudo, este modelo pode não ser adequado para todos os perfis de sócios, visto que alguns preferem sair completamente da operação.
Estruturação de um Earnout: Elementos Chave
- Os objetivos financeiros que devem ser alcançados para o vendedor receber a compensação adicional. Geralmente, esses objetivos são expressos como uma porcentagem do faturamento, lucros ou EBITDA;
- O período em que esses objetivos devem ser alcançados e as premissas contábeis utilizadas para estabelecer as condições de desempenho;
- O tipo de pagamento condicional (em cash ou stock), bem como os limites máximos;
- O montante da compensação adicional que será pago se os objetivos forem alcançados e os destinatários nomeados do earnout na organização do vendedor;
- Fatores relevantes a considerar:
- Concorrência pelo ativo;
- Dependência do vendedor no processo de PMI (post-merger integration);
- Ciclo de vida da empresa;
- Conclusão da due diligence realizada;
- Percepção de potenciais riscos.
Estruturação de um Earnout: Caminhos
- Pagamentos adicionais ao vendedor caso os lucros ultrapassem os níveis acordados;
- Pagamentos de dividendos crescentes até a conclusão da compra;
- Antecipação e pagamento adiantado de uma dívida específica concedida ao vendedor como parte do valor de aquisição, estipulada com base nos lucros que ultrapassam os níveis previamente combinados;
- Compra de controle seguido de uma opção de comprar o restante do capital em alguns anos, por um preço ou múltiplo pré-estabelecido (acordo put-call);
- Pagamento adiado: o total do capital é adquirido inicialmente à vista e o restante da participação acionária no futuro a preço ou múltiplo negociado.
FAQ: Perguntas Frequentes Sobre Earnouts
1. Por que as partes usariam um earnout?
- No decorrer da transação, especialmente no período pós-due diligence, é comum que as partes discordem quanto ao valor do negócio ou à capacidade do vendedor de realizar os resultados projetados de fluxo de caixa. O earnout surge como uma solução: o comprador paga um preço base mais um prêmio quando e se o fluxo de caixa esperado se materializar. Essa abordagem permite também ao vendedor capturar o valor total do negócio, caso ele se revele tão lucrativo quanto o apresentado inicialmente.
- Além disso, o earnout previne o colapso da transação caso o comprador ameace abandoná-la.
2. Por que os earnouts são tão complexos de implementar?
- Embora simples em conceito, estruturar earnouts, na prática, levantam uma série de desafios:
- As partes precisam chegar em um acordo com a definição da métrica de performance (lucro, faturamento, EBITDA, etc). Além disso, o comprador vai querer ter certeza de que essa receita vem de operações contínuas e não de eventos extraordinários.
- Pode também haver a exigência de que a empresa adquirida seja operada separadamente e de forma consistente com a prática anterior.
- Se o comprador pretender integrar ou combinar algumas de suas operações, essas alterações podem causar conflitos e termos dos níveis de ganhos a serem esperados, especialmente se não forem decididos até depois da venda.
3. Quais preocupações que o vendedor deve ter em um earnout?
- O vendedor deve buscar acordos para que o ágio (goodwill) não seja considerado nos cálculos e que a empresa continue sendo operada de maneira consistente com as práticas passadas, sem arcar com novas despesas administrativas indiretas ou depreciação, encargos com juros e transações internas com a empresa compradora.
- Existem variáveis demais para um acordo legal fornecer proteção completa para ambas as partes em acordos de earnout. O comprador e o vendedor precisam confiar nas disposições expressas em termos de intenção ou boa-fé das partes.
- Muitas vezes, o comprador pode ter sorte: tudo o que o vendedor quer é sair e seguir para outra coisa. A última coisa que o vendedor quer é monitorar de perto as decisões sobre quais são e quais não são despesas diretas, essenciais para a administração adequada de um earnout.
4. Por que os earnouts não são mais comuns?
Controlar os custos com o comprador agora no comando é muito difícil. O comprador pode gastar demais em áreas específicas, como marketing, investimentos, salários, e assim por diante, e colher os benefícios muitos anos no futuro, mas reduzir o preço pago hoje ao diminuir os lucros reportados. Se o vendedor ainda estiver administrando o negócio, o oposto é verdadeiro: o vendedor reduz despesas essenciais e infla os lucros artificialmente.
5. Existem alternativas para o conceito de earnout?
- Com certeza, mas, infelizmente para o vendedor, muitas estão sob o controle do comprador (warrants, ações preferenciais, e outros instrumentos contingentes).
6. E um holdback? O que é?
- Um holdback acontece quando o comprador de uma empresa reserva uma parcela do valor da compra do vendedor como garantia após a conclusão do negócio. Essa medida visa resguardar o comprador contra eventuais perdas ou passivos não previstos logo após a mudança de controle da empresa.
Conclusão
O cenário de M&A no Brasil é difícil. Enquanto em mercados europeus ou nos Estados Unidos é comum concluir uma transação em seis meses, aqui no Brasil o processo muitas vezes se estende por mais de um ano. No atual contexto de fusões e aquisições, enfrentamos um desafio significativo devido à disparidade entre a avaliação esperada pelos vendedores e os valores que os compradores estão efetivamente dispostos a oferecer. Com earnouts, as partes conseguem reduzir seus riscos e facilitar o fechamento da transação.